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Posts Tagged ‘Cazuza’

João Araújo foi nosso descobridor e produtor do nosso primeiro LP Ferro na Boneca. O bom gosto musical de João se afinava com os caminhos musicais do grupo. Ele nos convenceu a usar maestros nos arranjos de determinadas músicas, deixando outras para que Pepeu as arranjasse, embora nos solos Pepeu ficasse com liberdade para dar nossa cara à música. João foi o responsável também pela colocação de metais no nosso trabalho, e fomos premiados com os violinos regidos pelo maestro Hector Lanha Fictta. Naquela época, João Araújo não se ocupava exclusivamente com a área comercial e produziu Ferro na Boneca cuidando, opinando mas, nos deixando com o poder de decisão em todo o processo do disco. Três anos depois, fizemos o Acabou Chorare, já na gravadora Som Livre. Ele colocou outro produtor, Eustáquio Sena mas, acompanhou de perto as gravações e se entusiasmava com a qualidade das músicas. Ele previu o sucesso de “Besta é Tu” e “Preta Pretinha” e nos animou, dizendo: “Esse vai ser a nossa consagração, venderá mais de cem mil discos, é melhor ainda que o Ferro na Boneca”. Antes de o disco sair, ele levava quase todas as noites Walter Clark e Bonifácio Neto, mais conhecido por Boni, ambos diretores da TV Globo na época, à boate Number One para assistirem nosso show, que utilizava o repertório do disco como base do espetáculo. Nós morávamos em São Paulo mas, quando vínhamos ao Rio de Janeiro, ficávamos algumas vezes em hotel, e em outras, nos levava para sua casa, que virava uma casa de espetáculos. Toda noite fazíamos um showzinho particular para a imprensa amiga de João ou para amigos importantes que ele convidava para conhecer nosso trabalho. Nós não trocávamos o tempero de Cedalha por nenhum restaurante fino. Cedalha, cozinheira da casa de João Araújo, sempre tinha um docinho especial, que ela dizia ter sido feito para nós. Ela mandou nos convidar para seu casamento.
Cazuza, que anos mais tarde se tornou o melhor poeta dos anos 80 na MPB, naqueles dias em que éramos seus hóspedes, não perdia um segundo. Um dia chegamos a Som Livre e nos deparamos com Cazuza trabalhando de recepcionista. Ele nos botou na frente de todo mundo para falar com seu pai, João Araújo, com o argumento, ou melhor, com o artifício de que João Araújo já estava nos esperando há mais de meia hora; e ainda enfeitava a história, dizendo: “Vocês são um barato. Nunca chegam na hora marcada”. E nós, subindo a escada, dizíamos para ele: “Aqui não é seu lugar, você é um artista”. Cazuza respondia: “São coisas do Velho, querendo me colocar na linha”.
Também me lembrei de um encontro que tive com Zé Vitor, que fora diretor comercial da CBS, quando lhe falei de uma jovem cantora baiana ainda desconhecida mas, com muito talento , Sara Jane. E ele me perguntou: “E ela é bonita?”. E respondi: “É uma linda morena de olhos verdes”. “Sendo assim, pode trazer que ela grajva. Cantando bem e bonita é o que o Brasil está precisando”. Eu fui fazer outra coisa em São Paulo e, quando voltei à Bahia, Sara Jane já estava fazendo sucesso na ODEON. Na saída da sala de João Araújo, este me perguntou o que eu achava de Cazuza. Disse-lhe que ouvira “Bete Balanço” e ficara muito feliz por sacar que Cazuza era um bom letrista e filho artístico dos Novos Baianos. João Araújo me disse: “Ele gravou sem a minha interferência mas, agora eu vou prestar atenção, você, que é um poeta que eu respeito muito, está dizendo que Cazuza é bom”.

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  • Lucas Nobile – O Estado de S.Paulo

Considerado por muitos como um dos discos mais importantes da música popular brasileira, Acabou Chorare, dos Novos Baianos – que chega amanhã às bancas em relançamento pela Grande Discoteca Brasileira Estadão -, esteve perto de ser um dos grandes fiascos da história.

 

Em 1972, três anos depois de seu disco de estreia, Ferro na Boneca, o grupo baiano já havia deixado sua terra natal para se instalar em um apartamento em Botafogo, no Rio. Em solo carioca, por precipitação – e falta de tato -, quase viram aquele que se tornaria seu álbum antológico ser arruinado. Por sugestão de Nelson Motta, eles gravaram todas as faixas de Acabou Chorare, na casa de Jorge Karan, apenas em dois canais, com poucos instrumentos, de maneira rasteira. A gravadora queria lançar o disco mesmo assim, mas Os Novos Baianos bateram o pé. “Nós não gostamos do resultado, não aceitamos que fosse lançado daquele jeito e rompemos com a Polygram. Aquilo ia estragar o disco. Aí, o pai do Cazuza (João Araújo), que era dono e diretor da Som Livre, nos ofereceu a produção digna que o álbum merecia”, conta Luiz Galvão.

O encarregado da tarefa foi Eustáquio Sena, figura importante para viabilizar toda a loucura inventiva proposta pelo grupo na realização do LP, extremamente moderno até hoje. Atualmente, bandas tentam imitar, mas não passam nem perto da criatividade e da pegada de Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Baby do Brasil, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão, Jorginho Gomes, Dadi Carvalho, Baixinho e Bolacha.

O toque de João. Com arranjos de Pepeu Gomes e Moraes Moreira, e os temas assinados por Galvão (todos em parceria com Moreira, além de Paulinho Boca de Cantor, em Swing em Campo Grande, e Pepeu, em Besta É Tu), com exceção à faixa que abre o disco, Brasil Pandeiro (de Assis Valente), Acabou Chorare tinha tudo para seguir a mesma linha de Ferro na Boneca. “Nós vimos o tropicalismo de Gil e Caetano e acreditamos que era possível criar algo novo”, diz Galvão.

A novidade citada foi composta por ele e por Moreira a toque de caixa. Eram temas como Tinindo Trincando, Besta É Tu, Bilhete pra Didi, A Menina Dança e Mistério do Planeta.

Além da onda tropicalista, a grande influência foi exercida por João Gilberto. “Em 1972, ele havia chegado dos Estados Unidos e eu levei Baby, Moraes e Paulinho para conhecerem o João. Ele deu dicas de respiração e disse que a gente precisava voltar para o caminho de casa”, lembra Galvão, referindo-se ao conselho para que fizessem um disco menos roqueiro do que Ferro na Boneca e mais brasileiro.

O título da música, que também batiza o LP, carrega a famosa história contada por João após o fim do berreiro de sua filha Bebel Gilberto. O que pouca gente sabe é a origem do tema. “Eu estava com nosso agente e uma abelha sentou na minha mão. À noite, outra abelha pousou novamente em mim e eu disse: “essa abelha já esteve comigo hoje”. Todo mundo pensou que eu estava louco. Liguei para o João. Contei a ele, que também estava falando sobre abelhas com o Capinan. Eu disse: “ela faz mel”. Ele respondeu: “e zum-zum”. Pedi permissão e incluí na música”, conta Galvão sobre a inspiração viajante.

OS NOVOS BAIANOS
ACABOU CHORARE
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DOIS EMPRESÁRIOS AMIGOS

A rebeldia dos Novos Baianos parava diante de empresários sensíveis e rolava uma relação que, não se limitando apenas ao mundo dos negócios, enveredava pelo campo íntimo da amizade. Mesmo hoje, quando não há mais nenhum vínculo contratual entre o grupo e empresas comandadas por Alberto Brighton Neto e João Araújo, esses dois empresários continuam amigos dos Novos Baianos.
João Araújo foi nosso descobridor e produtor do nosso primeiro LP Ferro na Boneca. O bom gosto musical de João se afinava com os caminhos musicais do grupo. Ele nos convenceu a usar maestros nos arranjos de determinadas músicas, deixando outras para que Pepeu as arranjasse, embora nos solos Pepeu ficasse com liberdade para dar nossa cara à música. João foi o responsável também pela colocação de metais no nosso trabalho, e fomos premiados com os violinos regidos pelo maestro Hector Lanha Fictta. Naquela época, João Araújo não se ocupava exclusivamente com a área comercial e produziu Ferro na Boneca cuidando, opinando mas, nos deixando com o poder de decisão em todo o processo do disco. Três anos depois, fizemos o Acabou Chorare, já na gravadora Som Livre. Ele colocou outro produtor, Eustáquio Sena mas, acompanhou de perto as gravações e se entusiasmava com a qualidade das músicas. Ele previu o sucesso de “Besta é Tu” e “Preta Pretinha” e nos animou, dizendo: “Esse vai ser a nossa consagração, venderá mais de cem mil discos, é melhor ainda que o Ferro na Boneca”. Antes de o disco sair, ele levava quase todas as noites Walter Clark e Bonifácio Neto, mais conhecido por Boni, ambos diretores da TV Globo na época, à boate Number One para assistirem nosso show, que utilizava o repertório do disco como base do espetáculo. Nós morávamos em São Paulo mas, quando vínhamos ao Rio de Janeiro, ficávamos algumas vezes em hotel, e em outras, nos levava para sua casa, que virava uma casa de espetáculos. Toda noite fazíamos um showzinho particular para a imprensa amiga de João ou para amigos importantes que ele convidava para conhecer nosso trabalho. Nós não trocávamos o tempero de Cedalha por nenhum restaurante fino. Cedalha, cozinheira da casa de João Araújo, sempre tinha um docinho especial, que ela dizia ter sido feito para nós. Ela mandou nos convidar para seu casamento.
Cazuza, que anos mais tarde se tornou o melhor poeta dos anos 80 na MPB, naqueles dias em que éramos seus hóspedes, não perdia um segundo. Um dia chegamos a Som Livre e nos deparamos com Cazuza trabalhando de recepcionista. Ele nos botou na frente de todo mundo para falar com seu pai, João Araújo, com o argumento, ou melhor, com o artifício de que João Araújo já estava nos esperando há mais de meia hora; e ainda enfeitava a história, dizendo: “Vocês são um barato. Nunca chegam na hora marcada”. E nós, subindo a escada, dizíamos para ele: “Aqui não é seu lugar, você é um artista”. Cazuza respondia: “São coisas do Velho, querendo me colocar na linha”.
Também me lembrei de um encontro que tive com Zé Vitor, que fora diretor comercial da CBS, quando lhe falei de uma jovem cantora baiana ainda desconhecida mas, com muito talento , Sara Jane. E ele me perguntou: “E ela é bonita?”. E respondi: “É uma linda morena de olhos verdes”. “Sendo assim, pode trazer que ela grajva. Cantando bem e bonita é o que o Brasil está precisando”. Eu fui fazer outra coisa em São Paulo e, quando voltei à Bahia, Sara Jane já estava fazendo sucesso na ODEON. Na saída da sala de João Araújo, este me perguntou o que eu achava de Cazuza. Disse-lhe que ouvira “Bete Balanço” e ficara muito feliz por sacar que Cazuza era um bom letrista e filho artístico dos Novos Baianos. João Araújo me disse: “Ele gravou sem a minha interferência mas, agora eu vou prestar atenção, você, que é um poeta que eu respeito muito, está dizendo que Cazuza é bom”.
Alberto Brighton Neto é presidente da gravadora Continental e a sua amizade com os Novos Baianos vem desde 1973, quando a Continental representava Warner no Brasil e ele, Brighton, contratou o grupo com a intenção de lançá-lo no exterior e, principalmente, nos Estados Unidos da América. Tanto o lado acústico desenvolvido pelos Novos Baianos, que tinha um verdadeiro regional, como também o lado elétrico que, com características próprias e a cara de Brasil, poderiam encontrar espaço naquelas bandas. Para isso, pensou-se em associar o futebol, que o grupo brincava com certa categoria, para ser apresentado como um espetáculo em estádio, para difundir o futebol naquele país. Como é do conhecimento público, o Cosmos, o principal Clube de futebol dos Estados Unidos, pertence à Warner e, por isso, houve uma reunião de Brighton com Afonsinho e Nei Conceição, jogadores que pertenceram à seleção brasileira, e que eram muito amigos nossos e politicamente afinados. Brighton propôs a contratação dos dois jogadores e mais Geraldo Mãozinha, outro craque, para o nosso time, que também teria outros reforços. Deste modo, nós, do grupo, jogaríamos apenas um tempo e depois nos apresentaríamos no palco. Afonsinho e os outros dois jogadores aceitaram a proposta. Paquetá, que jogara no Vasco e hoje é médico como Afonsinho, já estava na lista dos reforços. Infelizmente, a gravadora Continental perdera a representação da Warner, que se instalou no país e aquele plano foi desfeito. Anos depois, Pelé foi contratado pelo Cosmos e lançou o futebol nos Estados Unidos da América.

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