Não se pode falar da passagem do rio S. Francisco em Juazeiro sem incluir Petrolina. As duas cidades formam mais que um par romântico, seja na dança clássica, na gafieira ou na poeira de um terreiro de forró; seja como uma dupla arrasadora de área, no bom sentido de ataque ao gol, ou até como um casal imaginado perfeito, de mãos dadas ao luar. Vejo-as dois pensamentos diversos, dois ângulos opostos de um mesmo vértice. Distintas são, cada uma no seu argumento, no seu talento. Juazeiro ganha em arte, é claro, porque deu João Gilberto; e Petrolina, em progresso, pela organização de seus construtores. É o lazer e o trabalho se completando. Memória e pensamento habitando a mesma cabeça. Como hoje é sabido, lazer é trabalho feito para divertir, vira combustível para sensibilizar corações, da mesma forma que trabalho vira lazer quando se faz o que se gosta. E é aí que as duas cidades completam a paisagem que margeia o rio em cujas águas João Gilberto nadou entre os peixes, atirou pedrinhas em sua superfície e colheu inspiração para a música Undiú.
João Gilberto Pereira de Oliveira é filho de Joviniano Domingos Pereira de Oliveira e Martinha do Prado Pereira de Oliveira. Nomes constantes do registro em cartório porque, em Juazeiro, eram conhecidos de todos como seu Joviniano e dona Patu. Esses privilegiados pais receberam o merecimento de orientar um menino de coração meigo e talento artístico muito especial, de quem receberam respeito e alegria até seus últimos dias
A família era numerosa. Com João, mais cinco crianças travessas e alegres faziam a felicidade do casal. Maria, que lembra bem dona Patu, pelo carinho materno que demonstra a toda a família; Vavá, fisionomicamente bem parecido com João; José Eurico (Dedé), cuja poesia é temperada pelo humor de Juazeiro (vide mostra no final do capítulo), Jovino Antonio e Maria Oliva, a caçula Vivinha, que ainda reside em Juazeiro e leciona na casa onde todos nasceram, na Praça Imaculada Conceição nº 20, em cuja fachada hoje está afixada uma placa com os dizeres “Aqui nasceu João Gilberto, o criador da Bossa Nova” Além destes, seu Joviniano tinha dois filhos do primeiro casamento: Walter e Valcyr. Esta casou com Mário Belo Amorim que foi para a Bolívia como adido militar e tornou-se vice cônsul em Santa Cruz de La Sierra.
Existem, no meu relacionamento com essa família, alguns fatores que nos aproximaram e estreitaram nossos laços de amizade. Seu Joviniano foi comerciante bem sucedido no ramo de secos e molhados e, tal como meu pai genético, José Leandro da Costa, também foi navegador no rio S. Francisco, transportando, em barcas, mercadorias de Juazeiro a Pirapora e cambiando, no retorno, produtos mineiros; com Dedé, havia a afinidade do gosto pela poesia. Vejam esta, que é a minha preferida:
ELA
(José Eurico)
Ela menina,
eu disse:
olhe a boquinha dela.
Ela, moça,
eu fui dizer
olhe a boca dela,
reprovaram-me.
conselharam-me
que dissesse apenas boca
que a boca não era mais dela.
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